terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Importância da mastigação

Mordida perigosa

Estudos recentes associam patologias graves entre os
efeitos deletérios da disfunção mastigatória


Deficiências no desenvolvimento dos maxilares e suas conseqüências na função mastigatória estão associadas a um conjunto de prejuízos à saúde, desde uma maior suscetibilidade a cáries e doenças periodontais até problemas posturais e respiratórios, passando por enfermidades gástricas e enxaquecas. Estudos recentes, no entanto, indicam que os efeitos deletérios de uma mastigação em desequilíbrio podem estar na origem de patologias de maior gravidade. "Há uma relação entre as disfunções mastigatórias, o mal de Alzheimer e o glaucoma", informa o Dr. João Alberto Martinez, coordenador do curso de Pós-graduação em Ortopedia Funcional dos Maxilares da Universidade de Santo Amaro (Unisa) e da Associação Brasileira de Cirurgiões-dentistas (ABCD). Em 2007, Dr. Kazuo Tanne, do Departamento de Ortodontia e Biologia Evolutiva Craniofacial da Universidade de Hiroshima, divulgou os resultados de uma pesquisa realizada no Japão que relaciona deficiências na mastigação com a produção de proteína beta-amilóide, principal indicadora da doença de Alzheimer.

A acumulação de placas dessa proteína em determinadas regiões do cérebro causa a
morte de neurônios associados à memória. Tanne realizou um primeiro experimento com ratos de laboratório, no qual comparou um grupo de animais anômalos, sem dentes, com outro de animais normais. Ao primeiro grupo foram oferecidos alimentos moles; ao segundo, uma dieta fibrosa. Ao examinar lâminas microscópicas de tecidos
do córtex cerebral dos ratos, o pesquisador observou que os neurônios dos animais desdentados estavam degenerados por placas de proteína beta-amilóide, enquanto os ratos normais não apresentavam placas ou alterações.

Protetores de neurônios

Numa segunda pesquisa, Tanne repetiu o experimento em dois grupos de ratos com dentições sadias, de mesmo peso e idade. Mais uma vez, as placas e degenerações do sistema nervoso central apareceram apenas no grupo de ratos que receberam alimentos de consistência macia. Em vista desses resultados, o pesquisador da Universidade de Hiroshima decidiu ir além e investigar a influência da redução da estimulação mastigatória na capacidade de aprendizado e memória. Em uma nova pesquisa, Tanne repetiu as dietas mole e fibrosa em dois novos grupos de ratos, sem dentes e com dentes. O resultado indicou que os efeitos da mastigação deficiente na morte de neurônios aparecem no médio prazo. Num período de 180 dias, não foram observadas diferenças significativas na habilidade de aprender ou na memória espacial no grupo de ratos desdentados. Entretanto, quando a dieta foi mantida ao longo de 360 dias, surgiram alterações significativas em relação à perda de neurônios no grupo privado de mastigação.

Embora ainda não esteja totalmente compreendido, o mecanismo de produção de proteína betaamilóide está associado ao número de micróglias presentes no cérebro, cuja proliferação é estimulada pela mastigação equilibrada. No estudo de Tanne,
os resultados mostraram que esses macrófagos protetores dos neurônios aparecem em número significativamente menor nos ratos desdentados, em comparação com o grupo de controle. Outro estudo de 2007, também realizado com ratos, desta vez por pesquisadores da University College de Londres, aponta a proteína beta-amilóide como responsável pelo surgimento do glaucoma. De acordo com a Dra. Francesca Cordeiro, coordenadora da pesquisa, a proteína, quando acumulada nos nervos óticos, causa a morte de células da retina. O grupo de Cordeiro testou um coquetel de medicamentos utilizados no tratamento do mal de Alzheimer nos ratos participantes do experimento e conseguiu frear a perda de células da retina. O bapineuzumab, um dos medicamentos empregados na pesquisa, está sendo testado clinicamente em humanos e poderá estar disponível no mercado dentro de poucos anos.
Mudança de hábitos
As implicações neurais da mastigação e as conseqüências de seu desequilíbrio têm sido investigadas há seis décadas na Europa. Em 1945, na Espanha, Pedro Planas, médico estomatólogo, criou a reabilitação neurooclusal, ao relacionar a disfunção mastigatória com o surgimento de diversas patologias. A técnica se propõe a suprir os estímulos neurológicos necessários ao desenvolvimento da estrutura osseomuscular dos maxilares, para que ocorra uma correta função respiratória e mastigatória. Prevê a utilização de recursos simples, como a realização de microdesgastes seletivos e o acréscimo de materiais resinosos nos dentes, a fim de ajustar a oclusão e estimular o fortalecimento muscular e o desenvolvimento ósseo dos maxilares.

"A ossatura craniofacial necessita da mastigação para desenvolver-se, o que implica não somente o movimento de abrir e fechar a boca, mas também os movimentos de lateralidade da mandíbula, com contatos em ambos os lados da arcada dentária, de forma equilibrada", explica o Dr. João Alberto Martinez, que realiza um
estudo sobre a técnica na Universidade de Santo Amaro. "Por meio de sensores neurais distribuídos em toda a boca, o cérebro interpreta como ocorre a mastigação, identificando assimetrias e disfunções." Nas últimas décadas, mudanças nos cuidados
materno-infantis e nos hábitos alimentares vêm contribuindo para causar desequilíbrios na função mastigatória de grande parte da população, em virtude da escassez de estímulo muscular nos maxilares. "Os problemas começam já na primeira
infância", aponta Martinez, ao referir-se à crescente redução do período de lactância ou à ausência de amamentação. O costume cada vez mais difundido de dar ênfase na dieta aos alimentos processados e industrializados, de consistência mais macia que os naturais, também exige pouco da mastigação e resulta em deficiências no desenvolvimento craniofacial.
Bibliografia
Kaku M, Tsutui K, Motokawa M, Kawata T, Fujita T,
Kohno S, et al. Amyloid ß protein deposition and
neuron loss in osteopetrotic (oplop) mice. Brain Research
Protocols 2003;12(2):104-8.
Tsutui K, Kaku M, Motokawa M, Tohma Y, Kawata
T, Fujita T, et al. Influences of reduced masticatory
sensory input from soft-diet feeding upon spatial
memory/learning ability in mice. Biomedical Research
2007;28:1-7. Guo L, Salt Te, Luong V, Wood Ne, Cheung W, Mass
A, et al. Targeting amyloid-ß in glaucoma treatment.
Proc Nat Acad Science 2007;104:13444-9.
Planas P. Reabilitação Neuroclusal. São Paulo: Medsi,
1997. Club Internacional de Rehabilitación Neurooclusal.
http://www.infomed.es/cirno/
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